Autismo em cães? Estudos analisam possíveis sinais de neurodivergência em animais
Pesquisas investigam comportamentos, genética e ambiente para entender se cães podem apresentar traços associados à neurodiversidade — mas especialistas alertam para limitações ao aplicar diagnósticos humanos a outras espécies

Pesquisas recentes têm explorado se cães e outras espécies podem manifestar comportamentos que lembram sinais de neurodiversidade, como impulsividade, hipersensibilidade e dificuldades de interação. A ampla variedade de temperamentos observada entre animais domésticos e selvagens levou cientistas a investigar se diferenças estruturais e químicas no cérebro poderiam explicar certos padrões comportamentais.
A neurodiversidade é compreendida como uma variação natural no funcionamento cerebral, influenciada por fatores biológicos e ambientais. No entanto, especialistas alertam que aplicar diagnósticos humanos — como autismo ou TDAH — a animais é complicado. Isso porque eles não conseguem relatar suas próprias percepções, e análises comportamentais dependem da interpretação humana, que pode distorcer condutas normais da espécie.
Evidências genéticas e comportamentais
Estudos mostram que espécies como cães, camundongos, ratos e primatas não humanos podem exibir traços semelhantes aos de indivíduos neurodivergentes. Em cães, por exemplo, pesquisadores identificaram variações genéticas relacionadas ao comportamento hipersocial. Níveis reduzidos de serotonina e dopamina — neurotransmissores ligados à regulação emocional — aparecem associados à impulsividade em algumas raças.
Há também a hipótese de que, durante o processo de domesticação, humanos tenham selecionado cães com características que se aproximam de padrões comportamentais observados em pessoas neurodivergentes, como maior sensibilidade a estímulos sociais.
Modelos animais de autismo
Em laboratório, pesquisadores estudam fatores associados ao autismo em animais. Um exemplo é a mutação no gene Shank3, encontrada em alguns Beagles e relacionada ao autismo em humanos. Cães com a alteração apresentam menor interesse por pessoas e redução na atividade neural em áreas ligadas à atenção.
Outro ponto observado é a diminuição do chamado acoplamento neural — quando os padrões cerebrais de duas criaturas se alinham durante a interação, especialmente no contato visual. A mutação Shank3 diminui esse sincronismo, o que pode afetar vínculo e comunicação entre cão e tutor.
Influência do ambiente nas interações sociais
Assim como em humanos, o ambiente exerce forte impacto no comportamento dos animais. Filhotes expostos a experiências negativas ou com pouca socialização podem se tornar menos sociáveis, independentemente de predisposições biológicas. Por isso, distinguir o que é efeito da genética ou do ambiente é um dos maiores desafios da pesquisa.
Alguns estudos testam intervenções experimentais em modelos animais de autismo. Um deles observou que uma única dose de LSD aumentou a atenção e melhorou a sincronização neural entre cães com mutação Shank3 e humanos — efeito também registrado em camundongos e em pesquisas preliminares com humanos. Apesar disso, o uso da substância envolve questões éticas e legais.
Avanço em métodos de diagnóstico animal
Ciências comportamentais vêm buscando alternativas mais objetivas para identificar sinais de neurodivergência em animais. Em 2021, pesquisadores utilizaram análise de vídeo e aprendizado de máquina para reconhecer indícios de TDAH em cães, alcançando 81% de concordância com avaliações tradicionais.
O tema é relevante porque problemas comportamentais são extremamente comuns. Um estudo com mais de 43 mil cães nos EUA revelou que 99% apresentavam ao menos um comportamento considerado problemático, como ansiedade, compulsões ou dificuldades de separação. Parte desses comportamentos pode ter origem em diferenças neurológicas individuais, reforçando a importância de compreender as necessidades específicas de cada animal.
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