Ciência avança e constrói genoma humano do zero, abrindo uma nova era na genética
Projeto internacional lançado em 2025 pretende sintetizar partes do DNA humano desde o início e pode transformar tratamentos médicos, pesquisas genéticas e debates éticos em todo o mundo

A ciência deu um passo histórico ao ultrapassar um dos limites mais complexos da biologia. Em junho de 2025, foi oficialmente lançado o Synthetic Human Genome Project (SynHG), iniciativa que busca construir o genoma humano do zero por meio da biologia sintética. O projeto recebeu financiamento equivalente a cerca de R$ 65 milhões da Wellcome Trust, uma das maiores fundações de apoio à ciência biomédica do mundo.
O SynHG reúne pesquisadores de universidades britânicas como Universidade de Cambridge, Universidade de Manchester, Universidade de Kent e Imperial College London, sob a liderança do professor Jason Chin, da Universidade de Oxford.
A meta inicial do projeto é sintetizar um cromossomo humano completo dentro de um prazo estimado entre cinco e dez anos. Para isso, os cientistas combinam robótica, inteligência artificial e técnicas avançadas de engenharia genética. O desafio é monumental: o DNA humano é composto por cerca de três bilhões de pares de bases, organizados em estruturas extremamente complexas.
Segundo os pesquisadores, a abordagem permitirá compreender como grandes blocos genéticos interagem entre si, algo que não é possível apenas editando genes existentes. A técnica pode revelar o funcionamento de regiões ainda pouco conhecidas do genoma, muitas vezes chamadas de “matéria escura” do DNA, responsáveis por regular processos como resposta imunológica, desenvolvimento celular e predisposição a doenças autoimunes.
As possíveis aplicações são amplas. Entre elas estão o desenvolvimento de terapias celulares inovadoras, criação de tecidos personalizados para transplantes, produção de células mais resistentes a doenças e avanços em áreas como agricultura sustentável e biorremediação ambiental. Para o geneticista Matthew Hurles, a síntese do DNA oferece uma vantagem inédita: “Construir DNA do zero nos permite testar como ele realmente funciona e validar novas teorias, algo impossível apenas ajustando o genoma já existente”.
Apesar do entusiasmo científico, o projeto também levanta preocupações éticas significativas. Especialistas alertam para o risco de ampliação de desigualdades genéticas, caso tecnologias desse tipo sejam usadas para aprimoramento humano ou a criação de “bebês sob medida”. Outro temor envolve o uso indevido da técnica, como a criação de organismos híbridos ou até armas biológicas.
O cientista Bill Earnshaw chamou atenção para os limites da regulação. Segundo ele, mesmo com regras rígidas, uma organização equipada poderia sintetizar estruturas genéticas complexas sem grandes barreiras. A discussão também envolve a propriedade do DNA artificial e o controle dos dados genéticos gerados ao longo das pesquisas.
Diante disso, o SynHG é visto como o início de uma nova fase da biologia sintética, em que o avanço científico caminha lado a lado com debates sobre responsabilidade, ética e governança global. Os próximos anos serão decisivos para definir se os blocos iniciais de cromossomos sintéticos se transformarão em tratamentos seguros e acessíveis ou se ampliarão dilemas ainda sem resposta.
Para a comunidade científica, uma coisa é certa: a capacidade de construir o genoma humano do zero muda profundamente a forma como a humanidade compreende a própria vida — e inaugura um capítulo inteiramente novo na história da ciência.

