China vira fator de estabilidade na Ásia após tarifas de Trump

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Enquanto os Estados Unidos continuam estagnados no shutdown, os países que compõem a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), aliados históricos dos norte-americanos e que hoje representam cerca de 15% do comércio mundial, buscam na China a estabilidade política para suas relações comerciais. Ao término da 47° cúpula da ASEAN no dia 28 de outubro, um acordo de livre comércio pré-existente entre o bloco e Pequim, o CAFTA, foi atualizado para expandir o comércio, avaliado em quase um trilhão de dólares em 2024, entre os países duramente afetados pelo tarifaço norte-americano.

Em um comunicado conjunto, os países da ASEAN, China, Nova Zelândia, Austrália, Japão e Coréia do Sul afirmam que “estamos conscientes na importância de fortalecer a resiliência econômica da região em meio ao cenário regional e global de incertezas no comércio”.

Especialistas consultados pelo Estadão, contudo, não veem o distanciamento econômico dos países da ASEAN como uma convergência política do bloco para a esfera de influência chinesa. Do contrário: a aproximação do bloco com Pequim se deve pela instabilidade que os Estados Unidos conferiram ao comércio internacional devido ao tarifaço e às incertezas internas daquele país.

“Basta ter uma eleição de um ou outro partido que a política interna e externa muda completamente”, diz Yi Shin Tang, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP. “Hoje, no Sudeste Asiático, existe uma percepção de que o fator de incerteza não é a China, mas a política específica que os Estados Unidos têm perante o mundo”, afirmou.

A chegada de Donald Trump ao governo norte-americano foi necessária para entender melhor essa nova postura dos países do Sudeste Asiático. Segundo Tang, há a percepção que a política interna dos Estados Unidos é muito instável. “O pêndulo é dentro dos Estados Unidos”, diz.

Desde abril de 2025, o governo Trump impôs tarifas comerciais contra todos os países. A alíquota máxima atualmente chega a 50%. Nos países do Sudeste Asiático, o país mais afetado foi Laos, com 47%, seguido de Vietnã, 20%.

Em um relatório publicado em setembro, o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP) concluiu que os países da Ásia e do Pacífico navegam para uma mudança rápida, algo que é resultado da crescente incerteza no cenário internacional ocasionada pelo aumento das tensões comerciais.

Essa mudança se daria principalmente pela diversificação dos mercados à medida que as disrupções aumentam. Segundo o relatório, antes mesmo da guerra tarifária de Trump ter-se iniciado em 2025, os países sul-asiáticos já começaram a diminuir a dependência do mercado americano. No Camboja, por exemplo, o comércio com os americanos diminuiu de 54% nos anos 2000 para 30% em 2020. Outros países, como o Sri Lanka, seguiram o mesmo caminho: em 24 anos as cifras caíram pela metade, de 40% no início do século para 24% em 2024.

Individualmente, o distanciamento com os americanos não faria muita diferença, mas como bloco a história é outra. Segundo o Observatório de Complexidade Econômica (OEC), dos 22,6 trilhões de dólares movimentados no comércio internacional em 2023, a ASEAN foi responsável por 3,6 trilhões, cerca de 15% do total de importações e exportações no mundo.

Segurança

Apesar de buscarem estabilidade econômica, os países do Sudeste Asiático ainda precisam garantir sua segurança no sistema internacional. A ASEAN foi criada em 1967 justamente com esse propósito. De início, o bloco, composto por Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura, Tailândia e mais seis países, tinha como objetivo se resguardar do avanço socialista, o que os trazia para a zona de influência americana, mas à medida que a China foi-se estabilizando e abrindo o mercado, o bloco buscou se ajustar e hoje se tornou um fórum de integração econômica, além da questão de segurança.

“De modo geral, pode-se afirmar que a China exerce predominância na esfera econômica da ASEAN, consolidando-se como principal parceira comercial e fornecedora de investimentos”, diz Alexandre Coelho, Co-Chair do Comitê de Pesquisas Asiáticas e do Pacífico da International Political Science Association (IPSA). “Por outro lado, os Estados Unidos mantêm maior influência na dimensão militar e de segurança, sustentada por acordos de cooperação, presença de bases, exercícios conjuntos e fornecimento de equipamentos”, explica.

Essa relação é vista pelos países do Sudeste Asiático como uma forma de equilíbrio diante da expansão econômica chinesa e sobre disputas territoriais. “O resultado é uma região marcada por forte interdependência econômica com a China e por laços de segurança mais estreitos com os Estados Unidos, em um ambiente de competição crescente entre as duas potências”, afirma Coelho.

Para Clarissa Forner, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ), apesar dos Estados Unidos serem parte integral da segurança desses países na região, não parece haver em Trump nenhuma promessa de fortalecimento com o bloco em si, mas sim de forma bilateral com os países, apesar das tarifas darem uma impressão de distanciamento com os EUA.

“Para muitos desses países, ainda que a China tenha suplantado os EUA como parceiro comercial, nos últimos anos, os EUA ainda têm relevância e se destacam no campo de investimentos e de segurança”, diz. “Na prática essas aproximações se mantêm por outras vias e dentro desse eixo bilateral, principalmente, o que também faz parte do estilo de construção da política externa do Trump: mais bilateral e menos focada nos espaços multilaterais.”

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Estadão

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