Crise na CBF: perícia questiona assinatura em acordo no STF e cria instabilidade para Ednaldo

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O acordo que manteve Ednaldo Rodrigues na presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), passa por um questionamento. Uma perícia indica que uma das assinaturas é falsa. A partir disso, o Congresso Nacional quer convocar o presidente a depor, após tentativas falhas em CPIs.

A análise da perícia é sobre a assinatura de Antônio Carlos Nunes de Lima, o coronel Nunes, ex-vice-presidente da CBF e que foi presidente interino da entidade em duas ocasiões. A inspeção foi feita pela perita Jacqueline Tirotti, a pedido do vereador do Rio Marcos Dias (Podemos).

Segundo o documento obtido pelo Estadão, foram observados elementos que diferenciam a escrita. “A convicção que se pode depreender de todas as características observadas e considerando todas as limitações intrínsecas ao presente exame é de não identificação do punho periciado de Antônio Carlos Nunes de Lima”, diz o texto.

O Estadão entrou em contato com duas familiares do coronel Nunes, incluindo a mulher, Maria Venina Rosa de Lima. Entretanto, elas não quiseram se manifestar. A reportagem também buscou contato com Ednaldo, que não se manifestou até o momento.

A perícia questiona o fato de o nome ter sido assinado em 19 de janeiro, cinco dias antes da assinatura de fato do acordo, “já conferindo ao procurador poderes específicos para pleitear a homologação judicial de um acordo ainda inexistente à época”.

A análise cita que as assinaturas disponíveis para análise datam de 2015 a 2023, o que, segundo o texto, compromete a contemporaneidade exigida em exames periciais. Entre 2015 e 2017, coronel Nunes assinava de forma simplificada, igual sua rubrica. A partir de 2022, ele passou a assinar com seu nome completo.

Outra informação apontada é que, em junho de 2023, Nunes informou à Justiça um déficit cognitivo a partir de neoplasia cerebral maligna (tumor no cérebro) e cardiopatia grave. Ambas são condições clínicas severas que exigem tratamento contínuo de Nunes desde 2018.

A informação foi protocolada em um processo no Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA). A ação foi movida por Nunes para que o Instituto de Gestão Previdenciária e Proteção Social do Estado do Pará (IGEPPS) deixasse de descontar um valor relativo à pensão alimentícia de sua aposentadoria, já que ele havia reatado o casamento com a mulher, Maria Venina Rosa de Lima.

Essa não é a primeira vez que uma assinatura de Nunes é alvo de polêmica. Em 2021, a mulher do coronel relatou à CBF que Rogério Caboclo pressionou Nunes a assinar uma procuração que concedia ao então presidente o poder de escolher seu substituto caso fosse suspenso. O ex-presidente negou a acusação na época.

O relato de Maria Venina afirmou, na ocasião, que Nunes estava sob efeitos de remédios. O coronel teria assinado a procuração sem conhecer o teor, dois dias antes de passar por uma cirurgia no coração.

Àquela altura, a CBF já era presidida de forma interina por Ednaldo Rodrigues, por indicação do Conselho de Administração, instância formada pelos vice-presidentes. Ele substituiu o próprio coronel Nunes.

Apesar de ter celebrado a indicação de Ednaldo publicamente, Caboclo alegou irregularidade e tentou indicar Nunes como substituto. O coronel, porém, manifestou à CBF que não tinha condições de saúde para assumir e que abria mão da indicação.

Entretanto, dois dias depois, em 6 de novembro de 2021, Nunes assinou a procuração que dava poder de representação a um escritório Lemos Basto Advocacia, indicado por Caboclo.

Também são signatários do acordo a Federação Mineira de Futebol; Castellar Neto, juiz do Tribuna da Fifa; Fernando Sarney, integrante do Comitê Executivo da Fifa; Gustavo Feijó, vice-presidente da CBF; e o ex-presidente Rogério Caboclo.

QUESTIONAMENTO DA ASSINATURA MOTIVA CONGRESSO A CONVOCAR EDNALDO

Requerimentos pedem por audiências públicas sobre o acordo que encerrou um processo no STF e manteve Ednaldo no cargo. Na Câmara, o deputado Sargento Gonçalves (PL-RN) protocolou o pedido.

O parlamentar cita o coronel Nunes, que comandou a entidade interinamente em duas ocasiões: entre 2017 e 2019, após saída de Marco Polo Del Nero, e em 2021, entre o afastamento por acusação de assédio sexual de Rogério Caboclo e a efetivação de Ednaldo.

Nunes foi presidente da Federação Paraense de Futebol por quase 20 anos. Ele era o cartola que comandava a CBF durante a Copa do Mundo de 2018, na Rússia. Foi o primeiro comando de um militar da entidade em um Mundial desde o fim da ditadura.

Na época, aos 80 anos, coronel Nunes era apontado como um presidente figurativo. Ele assumiu, ainda antes, entre 2017 e 2019, após renúncia de Marco Polo Del Nero, banido do futebol pelo Comitê de Ética da Fifa por denúncias de corrupção.

Nunes foi escolhido por Del Nero para o substituir em caso de afastamento e impedir que o opositor Delfim Peixoto tomasse posse. Peixoto, que morreu em 2016 no acidente aéreo do avião da Chapecoense, nasceu em 1941, três anos depois de Nunes, que teve prioridade pelo critério de idade.

A saúde de coronel Nunes já era um tema de preocupação na época. Ele ficou 50 dias internado por causa de uma endocardite, uma inflamação no coração, decorrente de infecção bacteriana.

Esse é o ponto mencionado pelo deputado Gonçalves no requerimento. O parlamentar argumenta ser necessário apurar a capacidade civil de Nunes para a assinatura do acordo que manteve Ednaldo na presidência.

A reportagem do Estadão entrou em contato com duas familiares do coronel Nunes, incluindo a mulher, Maria Venina Rosa de Lima. Entretanto, elas não quiseram se manifestar.

Por mensagem, o presidente da Federação Paraense de Futebol, Ricardo Gluck Paul, disse não ter visto Nunes desde o jogo entre Brasil e Bolívia, realizado no Mangueirão, em Belém. A partida foi válida pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2026, em 8 de setembro de 2023.

“É de fundamental importância apurar se o acordo foi assinado por livre e espontânea vontade do senhor Antônio Carlos Nunes, sem o manejo do arsenal de pressões, assédios e espionagens que marca a atual gestão da CBF”, escreveu Gonçalves no requerimento.

O texto também pede a convocação de Maria Venina; Ricardo Nonato Macedo de Lima, presidente da Federação Baiana de Futebol e vice-presidente eleito da CBF; Matheus Senna Silveira do Santos e João Paulo di Carlo Conde Perez, testemunhas do acordo judicial que garantiu a permanência de Ednaldo; e Jorge Roberto Pagura, atual chefe da comissão médica da CBF.

No requerimento do Senado, protocolado pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE), são citados fatos veiculados na edição de abril da revista piauí. O texto do jornalista Allan de Abreu mencionou falta de transparência na contratação de advogados com altos honorários e utilização de recursos da CBF para despesas pessoais, como viagens e hospedagens de familiares, políticos, jornalistas, magistrado e artistas durante a Copa do Mundo do Catar. São atribuídos R$ 3 milhões em gastos dessa natureza no Mundial de 2022.

Ainda se fala no fato de o relator do processo que manteve Ednaldo no cargo ter sido o ministro Gilmar Mendes, que recebeu o processo por sorteio. É discutido possível conflito de interesses, já que o magistrado é fundador do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), o qual tem parceria comercial para as formações da CBF Academy.

Outro ponto citado pelo requerimento é a relação da CBF com as federações estaduais. Até 2021, cada presidente de federação recebia R$ 50 mil mensais. Após a chegada de Ednaldo, reajustes nos contracheques elevaram os vencimentos para R$ 215 mil por mês, com direito a 16º salário.

“A gravidade da situação reside não apenas nas alegações em si, mas também no impacto que elas podem ter sobre a credibilidade da CBF. A entidade, embora de natureza privada, exerce uma função social de extrema relevância para o país. A CBF é a guardiã do futebol, paixão nacional que mobiliza milhões de brasileiros e que transcende as fronteiras do esporte, influenciando a cultura e a economia do país”, escreveu o senador.

“O desrespeito a tais princípios (legalidade, moralidade, publicidade e eficiência), consubstanciado nas diversas irregularidades noticiadas, acarreta a responsabilização civil da entidade. A forma como a CBF é gerida, portanto, não é um assunto restrito aos seus membros, mas sim de interesse público e nacional”, conclui o texto, incluso na pauta da reunião desta quarta-feira, dia 7.

NUNES RECEBEU R$ 1,15 MILHÃO DA CBF EM 2024

Em declaração do imposto de renda de Nunes, referente ao ano de 2024, é apontado o rendimento de R$ 1,15 milhão, que tem a CBF como fonte pagadora. A natureza do valor é descrita como rendimento sem vínculo empregatício.

Essa descrição cabe para em pagamentos de pessoa jurídica a pessoa física, para casos de título de comissões, corretagens, gratificações, honorários e direitos autorais, por exemplo.

A CBF ainda não se manifestou sobre os questionamentos ao acordo homologado no STF. Enquanto isso, a Corte se prepara para julgar o mérito da ação, dia 28 de maio. No julgamento, busca-se um consenso sobre a possibilidade de o Ministério Público intervir ou firmar Termos de Ajuste de Conduta (TACs) com entidades esportivas.

O julgamento, porém, não mudará a situação de Ednaldo em relação à presidência da CBF. Recentemente, ele foi reeleito para um novo mandato, aclamado por unanimidade das 27 federações e dos 40 clubes das séries A e B.

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Estadão

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