Ex-diretora de inteligência nega uso de dados para blitze contra eleitores de Lula em 2022
A delegada da Polícia Federal Marília Ferreira de Alencar, que ocupava o cargo de diretora de inteligência no Ministério da Justiça durante as eleições de 2022, disse em depoimento que confirmou que pediu um estudo que identificasse locais em que Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro tiveram mais de 75% dos votos no 1º turno do pleito presidencial daquele ano, mas nega ter passado os dados para a Polícia Rodoviária Federal operar as blitze na região Nordeste na segunda rodada.
“Pedi (o painel de dados) de todos os municípios, não só do Nordeste, e para todos os candidatos”, disse Alencar. “Eu nunca pensei em usar esse BI (acrônimo de business inteligence, o painel) para a PRF ou para qualquer que fosse.”
Em depoimento dado em maio, o ex-analista de inteligência da Coordenação-Geral de Inteligência do Ministério da Justiça Clebson Ferreira de Paula Vieira afirmou que recebeu encomendas de estudos sobre a distribuição de agentes da PRF às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais de 2022.
As ordens, segundo ele, partiram da então secretária de Segurança Pública da pasta, Marília Ferreira de Alencar. “Recebi duas demandas, que passaram direto dela para mim. A primeira foi a análise de dados de concentração de votos acima de 75%, tanto para Lula quanto para Bolsonaro. Solicitou para mim que eu fizesse algumas impressões e algumas planilhas. A segunda foi a distribuição da Polícia Rodoviária Federal, um painel para possível tomada de decisão”, disse no depoimento.
Vieira afirmou que, na época, suspeitou que aqueles dados seriam usados para fins eleitorais e percebeu enviesamento dos pedidos que recebia dos superiores. Em outra solicitação que relatou ter recebido, Marília teria encomendado uma análise sobre possíveis correlações entre votos em Lula e áreas dominadas pelo Comando Vermelho.
O trabalho foi solicitado após o petista fazer uma agenda de campanha no Complexo do Alemão, comunidade do Rio de Janeiro. Na época, aliados de Jair Bolsonaro usaram o ato de campanha para associar o adversário ao crime organizado.
“Foi pedida uma análise do seguinte aspecto: cruzar todas as urnas em territórios sob o Comando Vermelho para cruzar e ver se havia alguma correlação ou causalidade. O resultado foi inconclusivo”, disse Vieira.
Um relatório produzido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE-RN) e encaminhado à Polícia Federal aponta indícios de que as blitze feitas pela Polícia Rodoviária Federal no segundo turno das eleições presidenciais podem ter atrasado a chegada dos eleitores aos locais de votação.
O ex-diretor de operações da PRF Djairlon Henrique Moura confirmou, em maio ao STF, ter participado de uma reunião no dia 19 de outubro de 2022 em que, segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) foi tratado de um “policiamento direcionado” que seria executado no segundo turno.
A denúncia traz uma conversa em um grupo de WhatsApp em que a ex-diretora de inteligência de Ministério da Justiça Marília de Alencar afirma que nessa reunião Anderson Torres foi “isento p… nenhuma” e “meteu logo um 22”, em referência ao número de urna de Bolsonaro.
Alencar é a única mulher entre os 34 denunciados pela PGR por tentativa de golpe de Estado.
Segundo a denúncia, Marília é acusada de “utilização indevida da estrutura da Polícia Rodoviária Federal para obstaculizar o trânsito de eleitores a zonas eleitorais em regiões do Nordeste” e de coordenar o emprego das forças policiais “para sustentar a permanência ilegítima de Jair Messias Bolsonaro no poder”.
No 8 de janeiro de 2023, a delegada era subsecretária de Inteligência do Distrito Federal.