STF impõe restrições e tornozeleira a Bolsonaro em reação à pressão de Trump

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Nove dias após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, citar o que chamou “caça às bruxas” contra Jair Bolsonaro na justificativa para a imposição de uma tarifa de 50% aos produtos exportados pelo Brasil a partir de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou nesta sexta-feira, 18, medidas restritivas ao ex-presidente, entre elas o uso de tornozeleira eletrônica. As medidas cautelares representam uma reação da Corte máxima do País, acusada por Trump de perseguir Bolsonaro na ação penal na qual ele é réu por tentativa de golpe de Estado. A autorização para o cumprimento de mandados contra Bolsonaro foi dada pelo ministro Alexandre de Moraes – decisão ratificada logo depois pela maioria do STF.

A Polícia Federal, em sua petição, apontou que o ex-presidente tem atuado para dificultar o julgamento do processo criminal e as ações podem caracterizar crimes de coação no curso do processo, obstrução de Justiça e ataque à soberania nacional. Moraes acatou os argumentos da PF e da Procuradoria-Geral da República.

“Está plenamente demonstrado o risco de dano grave ou de difícil reparação, em razão dos indícios de cometimento de gravíssimos crimes contra a soberania Nacional e a independência do Poder Judiciário, mediante uso de grave ameaça, em razão da existência de uma campanha criminosa cujo objetivo é justamente obstruir o andamento da ação penal”, escreveu ele na decisão.

A decisão foi tomada no âmbito de um novo inquérito instaurado há exatamente um semana, na esteira do ‘tarifaço’ de Trump. A Petição 14129 foi protocolada no STF no dia 11 último, exatos dois dias após Trump anunciar tarifas de 50% sobre os produtos brasileiros exportados aos EUA. O inquérito foi distribuído por prevenção a Moraes por ter conexão com outros processos sob relatoria do ministro.

Além da tornozeleira eletrônica, Bolsonaro precisa se submeter a recolhimento domiciliar das 19h às 7h, em dias úteis, e durante todo o fim de semana. O ex-presidente também foi proibido de acessar redes sociais e não poderá se comunicar com diplomatas ou embaixadores estrangeiros, nem com outros réus e investigados pelo STF – neste caso, não poderá falar com o filho Eduardo.

‘Condutas delitivas’

O documento destaca que Eduardo “viajou para o exterior e continuou praticando condutas delitivas com a finalidade de interferir no regular andamento da AP 2.668/DF (ação penal do golpe), em que o seu pai, Jair Messias Bolsonaro, figura como réu”.

A investigação da PF detectou que Bolsonaro financiou esse movimento por meio da remessa de R$ 2 milhões para Eduardo Bolsonaro permanecer nos Estados Unidos e realizar ações para obstruir o julgamento. Além disso, os investigadores da PF entenderam que as ações de Bolsonaro tiveram um resultado concreto contra o governo brasileiro, com a promessa de imposição do tarifaço de 50% por Trump aos produtos exportados pelo País.

A PF destaca que o próprio ex-presidente passou a vincular publicamente a revogação dessa medida com a aprovação de uma anistia aos implicados pelo 8 de Janeiro. Nos autos constam postagens nas redes sociais e entrevistas concedidas por Eduardo e Jair Bolsonaro nos últimos dias.

‘Pressão social’

A decisão de Moraes destaca que “as postagens” de Bolsonaro “evidenciam as condutas de embaraçar a ação penal que tramita nesta Suprema Corte, bem como solicitar junto a chefe de Estado de nação estrangeira medidas visando interferir ilicitamente no regular curso do processo judicial, de modo a resultar em pressão social em face das autoridades brasileiras, com flagrante atentado à soberania nacional”.

“Não há, portanto, qualquer dúvida quanto à materialidade e à autoria dos delitos praticados por Jair Messias Bolsonaro no âmbito da AP 2668, em que atua, por meio de declarações, publicações e também mediante induzimento, instigação e auxílio – inclusive financeiro – a Eduardo Nantes Bolsonaro, com o claro intuito de fomentar a prática delituosa”, diz o documento.

Fuga e Machado de Assis

A Primeira Turma do Supremo, responsável por julgar os processos sobre a trama golpista, formou maioria ontem mesmo a favor das medidas cautelares adotadas por Moraes. A pedido do ministro-relator, o presidente do colegiado, Cristiano Zanin, convocou sessão extraordinária no plenário virtual. A votação vai até as 23h59 de segunda-feira e na noite de ontem faltava o voto de Luiz Fux. Moraes, Zanin, Carmen Lúcia e Flávio Dino endossaram a decisão. Dino afirmou ver possibilidade de que o ex-presidente tente fugir do País. A ratificação pela Turma fortalece Moraes. Em seu voto, o ministro-relator citou o escritor brasileiro Machado de Assis para enfatizar a importância da soberania nacional. “O imortal Machado de Assis proclamava que: ‘A soberania nacional é a coisa mais bela do mundo, com a condição de ser soberania e de ser nacional'”, escreveu Moraes em seu voto. O trecho faz parte da obra Crônicas Obras completas de Machado de Assis, edição de 1957.

O ministro é o condutor da ação penal que pode condenar Bolsonaro. Apesar de o tribunal estar em recesso, os prazos processuais não foram interrompidos, porque um dos réus está preso, o general Braga Netto.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu, na segunda-feira, a condenação do ex-presidente e de mais sete réus – incluindo militares de alta patente – que, segundo a acusação, integraram o “núcleo crucial” do plano de golpe de Estado.

O artigo 312 do Código de Processo Penal prevê situações para se decretar prisão preventiva, ou medidas cautelares, antes mesmo do julgamento do investigado. Isso pode acontecer “como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova de existência do crime e indícios suficientes da autoria”.

Entrevistas

Em nota, a defesa de Bolsonaro disse que “recebeu com surpresa e indignação a imposição de medidas cautelares severas” contra o ex-presidente, “que até o presente momento sempre cumpriu com todas as determinações do Poder Judiciário” (mais informações nesta página).

Após ser levado pela PF para colocar a tornozeleira eletrônica na Secretaria de Administração Penitenciária do DF, Bolsonaro concedeu uma série de entrevistas. Afirmou que as medidas restritivas impostas são uma “suprema humilhação” e que nunca pensou em sair do País ou se refugiar em uma embaixada.

Os mandados da Polícia Federal foram cumpridos na casa do ex-presidente em Brasília e em endereços ligados ao Partido Liberal (PL), também na capital federal. Na residência de Bolsonaro – que está com o passaporte retido e proibido de deixar o País – os agentes apreenderam US$ 14 mil e R$ 8 mil.

Foram apreendidos ainda um pen drive, que estava escondido em um banheiro, e uma cópia de uma ação contra Moraes. A petição apreendida faz parte da ação que a plataforma de vídeos Rumble e a Trump Media movem contra o ministro do STF. Elas alegam que o ministro teria desrespeitado leis americanas e promovido censura de plataformas digitais.

Dólares e pen drive

Questionado sobre os dólares encontrados pela PF, o ex-presidente afirmou que mantinha o valor em casa para “a possibilidade de uma viagem” e declarou que não é crime guardar dinheiro em espécie. Ele negou que a quantia apreendida tenha qualquer relação com um eventual plano de fuga do País.

“Eu tenho um bom montante no banco. Em havendo uma fuga ele seria bloqueado. Esse dinheiro foi sacado ao longo dos meses. Você não vai fugir apenas com US$ 14 mil. Estou com passaporte apreendido há dois anos”, disse Bolsonaro, em entrevista à Rádio BandNews FM. “Não cogitei fugir para lugar nenhum”, completou.

Bolsonaro relatou que foi acordado por batidas da PF em sua porta por volta das 7h. Segundo ele, uma das agentes disse estar com o dedo cortado, e ele indicou o banheiro para que ela pudesse limpar o sangue. Em seguida, a agente retornou com um pen drive. “Nunca abri um pen drive na minha vida”, alegou o ex-presidente.

No início da noite de ontem, Bolsonaro interrompeu uma nova entrevista coletiva observando que precisava sair para cumprir a medida restritiva. “Até segunda-feira, seis da manhã, eu estou em casa.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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Estadão

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