Golpe milionário em Águas Claras expõe lições (amargas) de governança condominial
Um rombo de mais de R$ 1 milhão em um condomínio do DF expõe como pequenas falhas, somadas à omissão dos condôminos, abrem espaço para fraudes duradouras e perigosas

O trabalho de bons síndico (profissionais ou moradores) muitas vezes são depreciados por escândalos como esse que se segue. Compras de globo de luz, sessões de tatuagem, mesada enviada para o exterior e uma vidraçaria do pai da própria Síndica moradora entre os principais fornecedores e ainda a construção de uma Esmalteria em Ceilândia, ao lado da Vidraçaria citada. Esses são alguns dos indícios descobertos depois que a nova gestão de um condomínio em Águas Claras (DF) resolveu passar o pente‑fino nas contas. O estrago? mais de R$ 1 milhão desviados ao longo de dez anos, segundo reportagem da Revista Águas Claras (22/04/2025) e outras fontes jornalísticas — o R7, por exemplo, confirma investigações da Polícia Civil e cita notas frias usadas para justificar despesas tão exóticas quanto um globo de discoteca.
O caso ainda está em fase de apuração, mas já ensina (ou relembra) cinco verdades que nenhum condomínio pode ignorar:
- Fraude grande nasce de falhas pequenas (e repetidas)
Desvios de longo prazo costumam começar com pequenos gastos que escapam à fiscalização. Se o conselho não confere notas, os moradores não ficam de olho nas despesas de seu patrimônio, se o balancete sai sem análise crítica, a regra implícita vira “ninguém está olhando”. E bons síndicos muitas vezes são engessados e atacados por moradores e conselho, deve existir o equilíbrio.
- Conselho fiscal
Ele deve checar documentos originais, cruzar contratos com serviços efetivamente prestados, verificar se fornecedores têm vínculo com o síndico e dar seu parecer antes da assembleia de prestação de contas.
- Rotinas de auditoria blindam o caixa
- Relatório mensal com conciliação bancária assinada pelo síndico.
- Acesso do conselho aos relatórios do banco e financeiro sempre que forem solicitados.
- Auditoria externa anual (ou ainda, rotativa a cada dois ou três anos, dependendo da possibilidade do condomínio).
- Limite de valor para pagamentos sem segunda assinatura. É interessante que seja exigida uma segunda assinatura para pagamentos acima de um determinado valor.
- Engajamento dos condôminos
Os condôminos devem cuidar de seu patrimônio. Solicitar ao Síndico para publicar os balancetes no aplicativo mês a mês e/ou outro meio que o condomínio tenha, divulgando os dados de receitas e despesas não apenas nas assembleias, e os orçamentos recebidos quando solicitado. São ações que transformam a curiosidade em fiscalização colaborativa. Vamos lembrar que para a segurança dos moradores, a fraude teme esse holofote, e para tranquilidade do Síndico, o morador bem-informado questiona menos.
- Conflito de interesses deve ser formalmente proibido
Fornecedor ligado a familiares do síndico, ou empresa de moradores do condomínio, só deveria ser contratado em condições estritamente documentadas, com comparação de cotações independentes e aprovação expressa em assembleia. Sem isso, a porta para a irregularidades financeiras fica escancarada.
Checklist rápido para não virar notícia
aqui vai algumas atitudes que podem ser tomadas para evitar esses problemas.
Item | Quem confere | Periodicidade |
Balancete acompanhado dos extratos bancários | Conselho fiscal | Mensal |
Despesas publicadas e acompanhadas | Conselho Fiscal e Moradores | Mensal |
NF‑e / recibos versus serviços in loco | Conselho Fiscal | Mensal |
Cadastro de fornecedores (CNPJ, sócios, vínculos) | Comissão | Semestral |
Conciliação PIX / boletos / cartão corporativo | Administradora | Diário |
Avaliação de riscos e fraudes | Auditoria externa | Anual |
Conclusão
Golpes como o de Águas Claras não surgem do nada. Eles florescem em ambientes de confiança cega, falta de controles e participação tímida dos condôminos. Fiscalização contínua, regras claras e transparência radical formam o tripé que impede que o caixa coletivo se transforme em cofrinho particular. Valorize o trabalho de bons síndicos, fiscalizar não é ser algoz e perseguidor, existem mecanismos para isso, cobre transparência.
Paulo Roberto Cesaro
Experiência em gestão condominial, atuando em diversas áreas do setor desde 2010, como: gerente de contas, síndico profissional e administrador de condomínio clube, ministra aulas e cursos na área. Possui certificação Síndico 5 Estrelas e é referência no mercado, palestrando em eventos e atuando como co-host do Pod_Liderar, podcasts sobre o tema.