Internação involuntária em Londrina: divergências estão previstas em lei, aponta promotora
A promotora de Justiça, Susana de Lacerda, destacou que a lei federal já regula o tema, não cabendo ao Legislativo municipal legislar sobre a matéria

O Projeto de Lei 50/2024, de autoria da vereadora Jessicão, aprovado pela Câmara Municipal de Londrina, tem gerado polêmica ao propor a internação involuntária de pessoas em situação de rua com dependência química. A iniciativa, segundo a parlamentar, seria uma internação humanizada, com o objetivo de oferecer uma segunda chance aos dependentes químicos, mapeando os casos mais graves e encaminhando-os para tratamento de até 90 dias.
Em entrevista à Paiquerê FM 98.9, Jessicão afirmou que Londrina se tornou referência nacional como cidade acolhedora, atraindo pessoas em situação de vulnerabilidade de diferentes estados. Para ela, o projeto busca recuperar dependentes químicos e reintegrá-los à sociedade, acionando familiares quando possível ou encaminhando-os para sua cidade de origem.
No entanto, o Ministério Público do Paraná recomendou ao prefeito que vete a proposta. A promotora de Justiça Susana de Lacerda, da 24ª Promotoria de Justiça da Comarca, explicou que as divergências em torno da medida já estão previstas na legislação brasileira. Segundo ela, existem três formas de internação no país: voluntária, involuntária (mediante solicitação de familiares e laudo médico) e compulsória (determinada por decisão judicial).
A promotora ressaltou que a avaliação sobre a necessidade de uma internação involuntária é atribuição exclusiva do médico, devendo ocorrer apenas em situações excepcionais. Além disso, destacou que a lei federal já regula o tema, não cabendo ao Legislativo municipal legislar sobre a matéria. Para ela, a proposta é inconstitucional por prever internação por tempo indeterminado, sem garantir a avaliação médica obrigatória, e por restringir a medida apenas a moradores de rua, o que configuraria discriminação. “Não é que o Ministério Público seja contra a internação involuntária. Ela pode ser aplicada a moradores em situação de rua, a outros cidadãos dependentes de álcool e drogas ou a pessoas com transtornos mentais. Mas cada caso deve ser analisado com base nos requisitos legais já existentes e com respeito à dignidade do ser humano”, afirmou Susana.
Outro ponto levantado é a carência de vagas para tratamento. De acordo com a promotora, todas as internações psiquiátricas e para dependência química são geridas pelo Estado, em Curitiba, o que limita a autonomia do município. Além disso, Londrina não dispõe de centros suficientes para atender voluntariamente quem procura ajuda. “Se a pessoa quiser, voluntariamente se tratar de álcool e drogas, o município não presta esse serviço. Então ao invés de nós ficarmos discutindo de apanhar as pessoas contra vontade delas nas ruas e levá-las para o tratamento, temos que pensar naquelas que querem, que procuram e que precisam da internação voluntária e não temos para onde levá-las”, afirma.
Caso o prefeito sancione a lei, o Ministério Público já anunciou que pode adotar medidas judiciais, incluindo questionamento de constitucionalidade e responsabilização de gestores públicos. A promotora irá se reunir com o prefeito Tiago Amaral, nesta quinta-feira (21), para discutir o assunto. O debate, que expõe visões divergentes entre Legislativo e Ministério Público, deve continuar nos próximos dias. Enquanto defensores da proposta argumentam pela necessidade de ações mais firmes, críticos ressaltam que o problema exige investimento em políticas públicas estruturadas, prevenção e acompanhamento contínuo, sempre preservando a dignidade das pessoas em situação de vulnerabilidade.
A entrevista completa com a promotora de Justiça, Susana de Lacerda, está abaixo.